Longe de qualquer pessimismo, e mesmo com os inúmeros estudos já realizados e por serem realizados sobre o tema, um efetivo controle institucional e social da violência no Brasil ainda terá um longo caminho a percorrer. Trata-se de um fenômeno social complexo, histórico, universal e multifacetado nas formas de manifestação em sociedade.
Porém, um primeiro passo em busca de um possível e necessário controle efetivo é compreender alguns aspectos conceituais, que trazem a luz à consciência sobre as evidências. Dentre estas, apresento quatro evidências, sem pretensão de ser discurso de autoridade.
Primeira evidência: não existe um único conceito ou discurso nem saber universal sobre a violência. Ela faz parte da experiência humana e não da natureza humana, se constitui de especificidades e fragmentações locais e moleculares em resposta a processos socioestruturais.
Ou seja, cada sociedade tem as suas próprias formas de manifestação da violência, segundo os seus próprios critérios e trata seus próprios problemas com maior ou menor efetividade. Portanto, a violência não possui uma natureza biológica. E, sim, se manifesta como um produto da dinâmica das interações do homem em sociedade.
Segunda evidência: a violência não tem tempo e/ou espaço preferencial nem se constitui em um privilégio ou marca ritualística de determinadas localidades, sujeitos ou grupos sociais. A violência se insere nas estruturas reproduzidas pelas atividades humanas. Desse modo, as ações criminosas, que devem sua existência exclusivamente aos homens, podem influenciar no comportamento de outros sujeitos ou grupos de sujeitos.
Além das condições nas quais a vida é dada ao homem na Terra e, até certo ponto, a partir delas, a violência pode se expressar entre os humanos no desenvolvimento das suas próprias condições que, “a despeito de sua variabilidade e sua origem humana, possuem a mesma força condicionante das coisas naturais” (Arendt, 2001).
Terceira evidência: as múltiplas especificidades das manifestações de violência e a crescente sensação de insegurança produzem no imaginário coletivo uma representação de violência associada à ideia da existência de um suposto Homo diabolicus, com uma força incontrolável e aterrorizante.
Com isso, há uma tendência a ignorar o fato de que as várias formas de manifestação da violência foram se diversificando e se difundindo, histórico e culturalmente, de uma sociedade para outra, na medida em que os mecanismos de controle rituais, informais e pessoais foram sendo reordenados, rearranjados e ressignificados como e para além das ideologias (Eugênio, 2012).
As relações de sociabilidade estão sob processos de reconfiguração, que são efetivados por meio de múltiplas dinâmicas simultâneas de integração comunitária e de fragmentação social, de massificação e de individualização, de ocidentalização e de desterritorialização. Nesse contexto, a exclusão social e econômica favorecem a inserção das práticas de violência como conduta social específica de muitos indivíduos.
Quarta evidência: a violência é perpassada pela noção de complexidade. Ela representa uma totalidade histórico-social, ampla, complexa, heterogênea e contraditória. Trata-se de um fenômeno social que ameaça o diálogo, contribui à desintegração social e acirra os conflitos.
Sob os viés político e econômico, tende-se a ignorar as desigualdades, os antagonismos e as tensões características do processo de formação das sociedades globais. A violência perpassa todos os tempos e lugares, e muitas interações humanas. Ou seja, ela é sociocultural e não um fator da natureza humana, que envolve direta e indiretamente a todos.
Coluna Perspectiva por Arnaldo Eugênio – Doutor em Antropologia
Arnaldo Eugênio; Cientista Social – Doutor em Antropologia – Mestre em Políticas Públicas – Especialista em Segurança Pública – Consultor do Comitê Estadual de Educação em Direitos Humanos (CEEDH-PI)