O crime organizado no Brasil está se empoderando frente as polícias e o governo, principalmente, por contar com a participação de agentes do Estado. É emblemático o assassinato de um “empresário” – na verdade, de um “delator do PCC” sobre as relações do crime organizado e a corrupção policial – no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, porque expõe um risco estatal de perder o monopólio do uso legítimo da violência frente ao crime organizado.
O empresário que delatou o PCC e a corrupção policial foi executado a tiros de fuzis no Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo, na tarde de sexta-feira (8), é Antônio Vinícius Lopes Gritzbach, acusado pelo Ministério Público de São Paulo de lavar dinheiro para o PCC e de ser o mandante do assassinato de dois integrantes do alto escalão da organização criminosa, em dezembro de 2021.
Ele foi preso em 2023, mas fechou um acordo de delação premiada com o MP-SP para denunciar crimes do PCC e, também, os casos de corrupção de policiais de São Paulo. O executado teria “lavado” R$ 30 milhões em dinheiro proveniente do tráfico de drogas, onde a maior parte das operações de lavagem foi feita com a compra e venda de imóveis e de postos de gasolina.
A principal suspeita, no momento, é de que a execução é uma “queima de arquivo” motivada por vingança. E os quatro policiais militares contratados para fazer a escolta particular do empresário morto foram identificados e afastados, além de terem os celulares apreendidos, por suspeita de “falha intencional na segurança”.
O uso de fuzis, de colete à prova de balas e a quantidade de disparos feitos a poucos metros do portão do terminal de desembarque de um aeroporto internacional – um espaço público de grande movimentação – se assemelha ao modus operandi das máfias.
Nesse contexto, longe de qualquer alarmismo, mas partindo dos fatos, o modus operandi das máfias e os seus tentáculos são sinais de que o Estado brasileiro está exposto ao risco de perder a legitimidade para enfrentar o crime organizado. Pois, quanto mais o crime organizado atrair membros estatais, mais confiante e confortável se sentirá para imprimir o seu modus operandi, o medo social e o controle do Estado.
A lógica do crime organizado é a maximização da vontade de poder, ou seja, é um dos principais fatores, que impele os membros das organizações de violência ao mundo do crime. Os poderes econômicos, políticos e institucionais subjazem esses grupos organizados e, principalmente, possibilitam extravasar a vontade de poder dos seus membros, engendrando poderes que os tornam capazes de mobilizar e organizar outros participantes a atuarem, racionalmente, no mercado de bens ilícitos e de outros crimes (Eugênio, 2012).
Parto do pressuposto de que o crime organizado transnacional, como toda instituição de mercado, tem o seu funcionamento semelhante ao de uma empresa capitalista, ou seja, divisão de tarefas, interações com os atores do Estado, estrutura burocrática e funções hierarquizadas, com a finalidade de comercializar produtos ilícitos a fim de obter lucros, cujo elemento fundamental é a prática de crimes através da violência.
Portanto, o modus operandi para a execução do “empresário delator” em São Paulo é emblemático, pois coloca à prova a capacidade do Estado soberano moderno em assegurar “o monopólio do uso legítimo da violência”, pois, o emprego da coerção é uma função de exclusiva competência de certos agentes do Estado – de uma organização ou de uma “máquina” institucional – e não de outros agentes da sociedade (Max Weber, 1974).
Coluna Perspectiva por Arnaldo Eugênio – Doutor em Antropologia
Arnaldo Eugênio; Cientista Social – Doutor em Antropologia – Mestre em Políticas Públicas – Especialista em Segurança Pública – Consultor do Comitê Estadual de Educação em Direitos Humanos (CEEDH-PI)