No Brasil, o estupro de vulnerável tem sido um assunto muito debatido, mas por se tratar de um crime cruel, doloroso, delicado e traumático está dividindo opiniões dentro da sociedade, pois envolve as noções de sexo, violência, moral, ética, tabu, dignidade humana, etc.
O crescente número de vítimas tem feito com que cada vez mais se use a expressão “cultura do estupro”, gerando um clima de medo e tensão entre as pessoas. Porém, a expressão “cultura do estupro” não é um consenso dentro das ciências sociais. Pois, o estupro é um tema sensível, difícil e complexo, que é perpassado por mecanismos sistêmicos e culturais.
Em 2024, o estudo divulgado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), mostrou que no período de 2021 (46.863 casos), 2022 (46.863 casos) e 2023 (63.430), o Brasil teve 164.199 registros de violência sexual contra crianças e adolescentes.
O sexo feminino responde por 87,3% dos registros. Em quase metade dos casos no país (48,3%), a vítima tem entre 10 e 14 anos e 52,8% são identificadas como negras (conjunto de pessoas pretas e pardas). No Piauí, a cada 8 horas uma criança ou adolescente é vítima de estupro.
O estupro (Vigarello, 1998) – ou coito forçado ou violação – é um tipo de agressão sexual que pode (ou não) envolver relação sexual ou outras formas de ações ou atos libidinosos realizados, intencionalmente, contra uma pessoa sem o seu prévio consentimento. Ou seja, o uso da força física, a coerção ou o abuso de autoridade contra uma pessoa incapaz de um consentimento válido, seja por inconsciência, deficiência mental ou vulnerabilidade: um crime hediondo não só contra a “dignidade da pessoa humana” (Sarlet, 2009), mas, também, contra a honra da família.
Para além do ideário popular, o estupro não se resume ao ato sexual, pois, a classificação dessa modalidade de crime é muito mais ampla. No Código Penal reformulado (art. 213, 2009): o estupro consiste em “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”.
O maior dos enganos, em si, é acreditar que somente a penetração forçada se enquadra no crime de estupro, ou mesmo alguns utilizarem “estupro”, indistintamente, como sinônimo de “agressão sexual”. O crime de estupro envolve, também, outras formas de violência simbólica.
Segundo dados no levantamento do Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicadas (IPEA), realizado no Sistema de Informações de Agravo de Notificação do Ministério da Saúde (SINAN, 2023), 70% das vítimas de estupro no Brasil são crianças e adolescentes. Nesse contexto, outro aspecto importante é que o estupro por estranhos é, geralmente, menos comum do que o estupro por pessoas que a vítima conhece – p.ex. familiares ou próximos.
O lado cruel é que, em metade das ocorrências envolvendo crianças, há um histórico de estupros anteriores ou de vitimização contínua no seio familiar. “A legitimação da dominação masculina no âmbito familiar pode ser um fator decisivo para que, dentro de casa, se perpetue todo tipo de maus tratos contra crianças e mulheres” (Saffioti e Almeida,1995).
O problema é que a distância social modula a escala de gravidade dos crimes numa sociedade de classes, distribuindo o peso das violências segundo a condição de suas vítimas. Ou seja, a posição social é decisiva. A dignidade do ‘ofendido’ orienta o cálculo e indica a extensão do mal (Vigarello, 1998).
Coluna Perspectiva por Arnaldo Eugênio – Doutor em Antropologia
Arnaldo Eugênio; Cientista Social – Doutor em Antropologia – Mestre em Políticas Públicas – Especialista em Segurança Pública – Consultor do Comitê Estadual de Educação em Direitos Humanos (CEEDH-PI)