Nos dias atuais, a insegurança individual e coletiva, o medo social, o pânico da finitude, as organizações de violência, os “lugares violentos” e os “sujeitos perigosos” têm ocupado mais espaço no imaginário social e na mídia, principalmente o estigma que se constrói sobre as comunidades nas periferias e os seus moradores.
Nesse contexto, percebe-se que há uma relação coalescente entre estigma, violência e mídia, que, também, pode ser constituída de dentro e de fora das consciências dos sujeitos envolvidos no processo estigmatório. Erroneamente, a maioria dos leigos, e até muitos especialistas, entende o processo de estigmatização ou o estigma como sendo sinônimos de desviantes, incorrigíveis e desequilibrados.
Segundo Erving Goffman (1988), por definição, acreditamos que alguém sob um estigma não seja completamente humano. Assim, a identificação social estigmatizada ou deteriorada da imagem de localidades e de sujeitos, mesmo com as resistências destes, podem vim a inviabilizar possíveis atributos positivos, as conquistas e as qualidades existentes numa determinada coletividade.
A violência e a mídia são partes constitutivas que regem o curso do processo estigmatório, através da espetacularização da violência, mais do que pela emoção desenfreada com a banalização da morte ou por excessos irrestritos de criminalização dos moradores das periferias urbanas, nas quais a presença mais ostensiva do aparelho Estatal é justamente a polícia.
A espetacularização da violência induz à população acreditar que existem “lugares violentos”, onde todos os seus moradores são perigosos. E, assim, se constitui um processo de estigmatização, ou seja, é “a situação do indivíduo que está inabilitado para a aceitação social plena” (GOFFMAN, 1988).
Com isso, tendemos a negligenciar o modo de vida particular pelo qual se objetiva no que denominamos “estigmatizado”. Pois, a questão da negação ou destituição de possíveis vínculos sociais aos estigmatizados, que fragiliza a autonomia dos moradores, anula a referência do ser individual no contexto do grupo social, contribuindo para a precarização valorativa daqueles.
Sem dúvida que, sob o frenesi causado pela violência e reforçado pela espetacularização midiática, o processo de estigmatização individual e coletiva de lugares e sujeitos tem possibilidade de se estabelecer porque, através dos índices de criminalidade oficiais (ou não) e distantes da neutralidade, pode se construir um modelo de categorias para catalogar localidades e seus moradores vinculando-os aos diversos crimes locais registrados, impondo, simultaneamente, as categorias de enquadramento e os atributos que aqueles devem assumir.
Mas, a violência é “uma herança que compõe todo e qualquer conjunto civilizatório” (MAFFESOLI, 1987, p. 13), que tem sido utilizada para construir uma estigmatização de localidades como violentas e todos os seus moradores, indiscriminadamente, como perigosos. Nesse contexto, a mídia – ou os meios de comunicação, meios ou intermediários (media) – tem um papel subjacente na sua relação com a sociedade no processo estigmatório. É óbvio que não podemos atribuir à mídia a invenção da violência – ou falar em “mídia do mal”. Porém, a espetacularização midiática da violência é um fator para coletivizar o medo social e a rejeição aos estigmatizados.
Portanto, compreender os aspectos que perpassam o estigma, a violência e a mídia pode ser útil aos interessados em propor e/ou aplicar políticas públicas e sociais que sejam capazes de revitalizar as localidades, bem como restituir as autoestimas deterioradas pelo estigma.
Coluna Perspectiva por Arnaldo Eugênio – Doutor em Antropologia
Arnaldo Eugênio; Cientista Social – Doutor em Antropologia – Mestre em Políticas Públicas – Especialista em Segurança Pública – Consultor do Comitê Estadual de Educação em Direitos Humanos (CEEDH-PI)