Teresina quarta-feira, 25 dezembro, 2024

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Uma cidade segura: Uma análise por Arnaldo Eugênio, Doutor em Antropologia

Coluna Perspectiva por Arnaldo Eugênio, doutor em Antropologia/Foto: Reprodução – Arquivo Pessoal

A violência urbana à brasileira – principalmente na forma de homicídios – se intensificou a partir da segunda metade do século XX, sendo manifestada tanto nas pequenas cidades quanto nos grandes centros urbanos, cujas as principais vítimas ainda têm sido da população negra, jovem e periférica.

No imaginário coletivo, as percepções e representações de violência são produtos de narrativas contornadas pela experiência cotidiana de cada sujeito ou grupo social. À medida em que cresce a violência, na forma de criminalidade, também, aumenta o medo social – ou a sensação de insegurança –, que se transmuta na ideia de “cidade perigosa”, gerando mais e mais demandas por segurança nos municípios (Eugênio, 2012).

O medo – um elemento fundamental na experiência humana (Delumeau, 1989) –, associado ao pânico da finitude refletido pelos perigos iminentes e reais suscitados pela violência e a divulgação espetacularizada da criminalidade nas sociedades globais, pode engendrar uma mudança de hábitos, de comportamentos, suscitando estratégias de sobrevivência – p.ex. cercas elétricas, muros altos, câmeras de vigilância (Eugênio, 2012).

No discurso do senso comum, a noção de violência se caracteriza como um fenômeno ligado ao comportamento humano, tendendo vinculá-la a uma suposta irracionalidade ou incivilidade “herdada” da animalidade dos homens passados. Com isso, não percebe-se que há falha do Estado em prover educação e segurança, como uma das causas do aumento da violência urbana – ou “violência na cidade”.

Contudo, a lógica de que a segurança pública é um problema exclusivo dos estados deve ser superada. Pois, a segurança pública é, também, um dever dos governos municipais, porque é no território – ou seja, na cidade – que a população sofre os efeitos da insegurança no cotidiano.  É na cidade que a desumanização, o ódio extremo ao outro e a negação da alteridade são externalizadas, e apresentam uma situação de violência que “tende à barbárie dos purificadores étnicos ou dos erradicadores” (Wieviorka, 1997).

Assim, é fundamental que se entenda que a violência urbana está disseminada na cidade – na zona urbana e na rural –, atingindo preferencialmente, as classes subalternas da população. Nesse sentido, o enfrentamento à crescente demanda por segurança deve partir do fortalecimento da segurança pública nos municípios, a partir de um amplo protocolo interinstitucional, baseado na Constituição Federal (CF/88) e no Sistema Único de Segurança Pública (SUSP).

Um protocolo interinstitucional amplo, sendo intersetorial e com a participação da sociedade civil, servirá de auxílio para que os governos municipais desenvolvam planos de ações estratégicas de prevenção à violência na cidade – p.ex. criar suas guardas municipais, cuja competência geral é a proteção de bens, serviços, logradouros públicos municipais e instalações do município. Mas, não é só isso.

Pois, através da constituição de um protocolo interinstitucional participativo será possível diagnosticar as especificidades causais da violência na cidade, e, a seguir, mobilizar e articular os gestores municipais, e os munícipes, para estabelecerem conselhos, fundos e planos municipais de segurança pública, como mecanismos de fortalecimento e de proteção à vida e aos direitos humanos, visando a redução dos índices de violência.

Uma “cidade segura” não surge do nada ou simplesmente com a implantação de guarda municipal, mas se constrói a partir de ações concretas e planejamento estratégico, com a participação de instituições estatais e da sociedade civil. A violência na cidade tem relação com a ausência de responsabilidade dos municípios em criar políticas preventivas e integradas para uma segurança pública efetiva. Por exemplo, no Piauí, apenas seis municípios implementaram os planos municipais de segurança (TCE, 2024).

Portanto, uma “cidade segura” surgirá quando o debate, a análise e a intervenção sobre a violência urbana incluir, além do Estado brasileiro, o papel da cidade, fazendo com que cada município se comprometa com a segurança pública, para suprir a expectativa da população por um sentimento de segurança, ao invés de uma sensação de segurança. Para tanto, deve-se estabelecer novas alternativas de prevenção à criminalidade, com políticas públicas transversais, integradas e sistêmicas.

 

Coluna Perspectiva por Arnaldo Eugênio – Doutor em Antropologia

Arnaldo Eugênio; Cientista Social – Doutor em Antropologia – Mestre em Políticas Públicas – Especialista em Segurança Pública – Consultor do Comitê Estadual de Educação em Direitos Humanos (CEEDH-PI)